segunda-feira, 20 de julho de 2009

A falta do sarcasmo

Rio de Janeiro, inicio da década de 20, mais precisamente 1923. O casal Rangel Porto ganha, no dia 23 de janeiro, um garoto. Ate aqui, nada de mais. Entre tantas famílias daquele Rio ainda boêmio, sem as apelações do Carnaval, tiroteios de traficantes, a constante guerra por domínios, a decadência do futebol carioca, a vinda de uma criança representava apenas a propagação de uma família. No entanto, poucos anos depois, o pequeno Sérgio Marcos Rangel Porto, sobrinho do grande Lúcio Rangel, viria a se tornar um dos maiores e mais devastadores cronistas que já brilharam neste país.

Dono de uma escrita formidável, onde se destacava a permanente inteligência ácida e o sarcasmo, Sergio dominou por quase 20 anos as colunas da imprensa.
Fora o impresso, trabalhou no rádio e na TV, ainda no formato inocência/inteligência, com programas inovadores, entre eles o Jornal de Vanguarda, um dos marcos da extinta TV Excelsior, que inovou com a sua dinâmica e criatividade nas apresentações.

Além disso, Lalau foi um dos grandes pesquisadores do Jazz e da musica brasileira, defendendo bravamente o choro e o samba. O livro Pequena Historia do Jazz, editado pelo Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde, em 1953, foi o primeiro a falar sobre o assunto no Brasil; autoria de Sergio Porto. Mas foi como cronista que Sergio se destacou, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta.
Esse nome surgiu quando Sergio Porto, que trabalhava no jornal Ultima Hora, na seção de musica popular, foi chamado para substituir seu tio, Lúcio Rangel, nas paginas sobre cotidiano, traduzindo: as vagabundagens da alta sociedade da época.
Sergio aceitou, mas com uma condição: teria que usar outro nome e abusando da gozação. Entre boatos e dúvidas diz-se que Rubem Braga lhe havia dado um toque sobre qual apelido usar, partindo do personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. Porem, em crônica publicada no dia 4 de dezembro de 1956, Sergio faz alusão ao pintor Santa Rosa como sendo dele a sugestão de idealizar um personagem inovador, dotado de faro fino para comentar a sociedade.
Duvidas ou não, Stanislaw marcou para sempre a nossa literatura, com 7 excelentes livros. Como Sérgio Porto, lançou A casa Demolida, em 1963 e As Cariocas, em 1967.

O autor foi um legitimo boêmio carioca, envolvido em diversos romances, com um retrospecto arrasador quando o assunto era o sexo feminino. Apesar desse ritmo notívago, se entregou de corpo e alma à sua profissão, sendo apontado constantemente como exemplo de funcionário, incansável batalhador das teclas.
Criou personagens notáveis, como o ladino Primo Altamirando e a sábia e vivida Tia Zulmira, cada um ao seu modo, representando uma das facetas do grande autor.
Além disso, foi um grande cronista esportivo, tendo cobrido as copas de 58, 62 e 66.
Não bastasse esse extenso currículo, o famoso O Pasquim, teve suas raízes vindas de Sergio. No último ano de vida, Stan lançou o tablóide A Carapuça, que durou até o quinto número. Nove meses depois, Tarso de Castro, Murilo Pereira Reis, que havia sido sócio de Sergio no tablóide, Sergio Cabral e Jaguar decidiram fazer um jornal que seguisse o mesmo estilo de A Carapuça, o resto é historia.
Na madrugada que antecedeu o inicio de outubro de 1968, depois de uma pontada fulminante no coração, Stanislaw Sergio Ponte Porto Preta, deixou os brasileiros sem um dos seus grande heróis. O país que, ainda hoje, e como, é assolado pelo FEBEAPA (Festival de Besteiras Que Assola o País), outra cria de Sérgio, perdeu naquela madrugada a fina pena da crônica brasileira.
A primeira vez que tomei contato com o escritor foi em meados de 94. No auge dos meus 11 anos, fiquei completamente deslumbrado pelo estilo de narrativa irrepreensível daquele carioca.

Em 1998, 20 anos depois de sua morte, o jornalista Renato Sérgio lançou Dupla Exposição. O livro traça um perfil do Rio descrito no inicio deste texto, mas com um atrativo especial: Sergio Porto. Em pouco mais de 300 paginas, Sergio, talvez devido ao sobrenome (!!!) descreve de forma deliciosa, com depoimentos, crônicas e fatos históricos, sem se preocupar com uma linha de tempo, a fascinante trajetória de Stan.
O livro, que não é uma biografia, como a conhecemos, e mais se assemelha a um misto de crônica e perfil, tem um ritmo alucinante. Méritos do autor, que nos delicia com uma linguagem extremamente próxima a de Stan.
“É como se a flor dos Ponte Pretas voltasse do passado para nos provar que, na verdade, nunca esteve tão presente”, escreveu Ruy Castro no final do livro.
Na edição de Agosto/08, a revista Brasileiros publicou uma boa matéria sobre os 40 anos de morte de Sergio. Como homenagem é uma coisa ainda em fase de descoberta no Brasil, vale a pena dar uma conferida.

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