quinta-feira, 16 de julho de 2020

A máscara que nada cobre


Vivemos tempos turbulentos, e isso não é novidade mesmo para aqueles que pensam que, na verdade, as coisas mudaram para melhor. Lá se vão quase 50 anos desde que Alice Cooper lançou a possante Elected, no disco Billion Dollar Babies (1972). E o que isso nos diz? Traçando uma linha direta com a nossa situação, significa que a música ainda funciona como uma gozação, mas poderia ser também um eco do que vivenciamos em 2018, durante a corrida presidencial.

Entre ataques, bravatas e violência irrestrita, o candidato vencedor fez exatamente o que está explicitado na letra de Cooper, que a descreveu como uma sátira. Diz o autor: “total political satire. We hate politics, but the idea of Alice, the scourge of the entire world,being President was just too good[1]". Na verdade a letra narra a sanha do personagem em tornar-se presidente, conclamando que ele é, sem dúvidas, a melhor escolha, com ironias como “Hallelujah, I wanna be selected” e “I never lied to you, I've always been cool”. Um dos trechos trazem o caráter religioso que permeia muitas campanhas políticas, ainda mais em países com histórica base religiosa, como o nosso. Também versa sobre algo muito associado à política, e aqui não faço juízo de valor: a mentira. Ou seja, ainda que mentiroso, mas religioso, o candidato já tem uma imagem bem definida para os eleitores.
Ao longo da música, entre bobagens e autopromoção do personagem, o grande mote: 

I wanna be elected, elected.
"And if I am elected
I promise the formation of a new party
A third party, the Wild Party!
I know we have problems,
We got problems right here in Central City,
We have problems on the North, South, East and West,
New York City, Saint Louis, Philadelphia, Los Angeles, Detroit, Chicago,
Everybody has problems,
And personally, I don't care[2]."    

Lendo até o fim é possível fazermos uma total analogia com o que passamos de 2018 para cá. Um fanfarrão mentiroso, apoiado nos braços religiosos do estado e da sociedade, visando tão somente o próprio ego e festança irrestrita. Para no fim proclamar, sem pudor, saber que existem problemas, mas que todo mundo os tem, e que no fim ele não se importa.
Alice Cooper, ele mesmo um falador controverso de questões políticas, apesar de dizer não gostar destas, gravou outra música que serve perfeitamente à linha de raciocínio aqui exposta. Go to Hell foi lançada em 1976, no disco Goes to Hell. A faixa funciona como a uma sentença. Por inúmeras coisas feitas, como atos de violência, por ter se comportado como a um moleque, enfurecido cidadãos, duvidar de autoridades e ser obsceno, dentre tantas outras falhas, vá para o inferno.
Certamente Vincent não as gravou pensando no futuro que flerta com o distópico e despótico, como o nosso, mas as músicas servem para inúmeros propósitos, bem como ganham diversos significados com o passar dos anos, mesmo controversos.
Antes, o voto, depois, o inferno.




[1] (sátira política total. Nós odiamos a política, mas a ideia de Alice, o flagelo do mundo inteiro, ser presidente era boa demais).
[2] Eu quero ser eleito, eleito/ "E se eu for eleito/ Prometo a formação de um novo partido/ Um terceiro, o Wild Party!/ Eu sei que temos problemas,/ Temos problemas aqui em Central City,/ Temos problemas no norte, sul, leste e oeste,/ Cidade de Nova York, Saint Louis, Filadélfia, Los Angeles, Detroit, Chicago,/ Todo mundo tem problemas,/ E pessoalmente, eu não ligo.)



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