segunda-feira, 13 de abril de 2015

Mundo vago

Não quero aqui falar da morte e de sua consequência, que na verdade nada mais é do que um ciclo redundante. A verdade é que a dona não gosta de escolher, e tal qual um funcionário exemplar, faz o que deve ser feito, o que lhe é incumbido, sem distinguir entre essa é ou não a minha função.
Também fica claro de que a morte é dona de nossa única verdade inata, aquela a qual carregamos como a pedra de Sísifo, sem vitória, sem alcançar o topo.
São os velhos as pessoas mais queridas pela morte, mas isso soa como algo ofensivo e prontamente mentiroso. Leva de caminhão uma centena, pois todos somos iguais perante ela.
No entanto, creio que ultimamente a morte esteja fraca, vazia de literatura, pois desde o último ano, ou um pouco mais, tem levado todos aqueles homens que deram a vida pela palavra, e terminaram seus dias como uma palavra: FULANO DE TAL, DATA, descanse em paz.
Em 2012 foi Autran Dourado, ano passado tivemos Ivan Junqueira, Rubem Alves, Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro. E hoje pela manhã, não contente com tamanha companhia, ela decidiu levar dois de uma vez: o uruguaio Eduardo Galeano e o alemão Gunter Grass.
Destes, considero a perda de Galeno como um rombo, uma veia implodida, estraçalhada nesta América mundial. Esse homem escreveu tudo com uma paixão incomum. Criticando, apontando, deleitando ou apenas se apaixonando, tudo com o mesmo peso e teor. Seu livro De pernas pro ar deveria ser distribuído pelas escolas do mundo, assim como Memórias do Fogo. Sim, também Futebol ao sol e à sombra, mas este aos boleiros que trocaram o brilho dos olhos pelo das moedas. Não cito sua obra mais conhecida por total falta de necessidade, ela já virou monumento, criou vida própria.
Escritores são como obras de arte, pertencem ao mundo, acasalam suas canetas com os cadernos de lugares todos, e entregam seus filhos sem remorso, apenas esperando que, se não fizerem boas coisas, ao menos tenham uma vivência digna, sem se furtarem ao dever de manterem-se vivos, falantes.
Hoje o mundo não amanheceu mais triste, apenas um pouco mudo, mas é passageiro. Tocam os tambores e segue o sol.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

A sensibilidade desumana.

Parem tudo, corram para suas casas, se escondam, não deem as caras. O Brasil está tomado por menores violentos e insanos, seres que não merecem sequer um olhar, muito menos enviesado. Não passe perto das creches e parquinhos pela cidade, pode ser fuzilado por uma criança que carrega uma bazuca na fralda, napalm no copo de leite, sabre na mochilinha.
Sei que haverá uma voz gritando: mas são apenas crianças!!! Sim, eu responderei. Mas são mesmo crianças que estão sendo condenadas por um sistema sedento em dar respostas, e omisso em procurar soluções. Outros dirão que existem crianças ruins e crianças boas. Que enquanto uma mata, outra é vítima. Uns dirão isso e aquilo, outros aquilo e isso.
O fim desse papo todo é que existe uma parcela da sociedade firme num discurso que diz assim: lugar de gente ruim é na vala, sem direito a nada, nem mesmo ao pensamento. O incrível é que essa mesma sociedade é corruptora dessa infância. É a sociedade que propaga a falta de valores, o apego ao supérfluo, o fim das relações humanas.
Quando alguém planta uma semente do mal numa criança, torna-se tão vil quanto o delinquente a quem tanto ele combate.  
Quando li o romance Cidade de Deus, do carioca Paulo Lins, o que me prendeu na trama foi a humanização dos personagens, principalmente Dadinho e Bene. Embora a violência não seja algo endêmico, segundo alguns críticos da sociedade na qual vivemos querem nos provar o contrário, o atordoante cenário de guerra “cinematizado” pela mídia age como escopo de uma parcela presa aos dogmas da boa família cristã e brasileira.
A pergunta que lambe o chão dos bares, bancos e demais estabelecimentos é: como alguém que mata, rouba e estupra pode ser inocente, pode ser bom? Como alguém tão violento pode ter direitos, como a uma cela imunda e um colchão aos farrapos? Dessa forma, é difícil imaginar que alguém em posse de uma arma possa ser uma pessoa de bom caráter ou índole.
Para responder a essas perguntas, eu preciso voltar ao trecho sobre Paulo Lins, quando disse que a humanização dos personagens foi o que de mais marcante eu li na obra do escritor brasileiro. E vou mais além, lembrando do Corleone de Puzzo, do Rino Zena de Ammaniti, do Pinkie Brown de Greene ou mesmo do Bathgate de Doctorow, todos estes personagens, contraventores, sociopatas, bandidos, todos foram dramaticamente humanizados. Aqui eu abro um parêntese, e pergunto: foram eles humanizados ou são tão reais porque são humanos? Sim, humanos, errantes, donos ou vítimas de suas vidas e escolhas.
Não me parece comum alguém enxergar um ato violento por mais de um ângulo que não seja o da brutalidade, seguido pela ira e acabando na intolerância. Temos, sim, milhões de atos sangrentos, burros e impensados, praticados por pessoas das mais variadas classes e posições sociais. Os ricos, os paupérrimos e os vazios. No entanto, faz-se necessário uma indagação sobre a violência. Uns a enxergam como ato físico, outros morais ou psicológicos, nada de novo. Mas é preciso pensar mais profundamente sobre o ato violento. Quando tiramos o sonho, a vontade, a dúvida, a autonomia, a infância, a inocência, a coragem ou o medo de alguém e os estratificamos como simples manobra de criação, também aí somos violentos, tão brutais quanto aqueles que levantam as armas brancas, as vozes e punhos, cuspindo suas verdades permanentes e solidas como a perene ignorância.
Sendo assim, a recente, e crescente, tentativa de diminuição da maioridade penal no Brasil mostra como uma nação pega tudo aquilo pelo que lutou e coloca num caldeirão onde tudo se mistura: futebol, política, infância, raça, perseverança, direita, esquerda, meio, lado, margem. O resultado é uma sopa insossa e intragável.
 A sociedade é quem cria os seus Dadinhos, Corleones e Bathgates da vida, é a sociedade quem esbofeteia os rostos e cobra uma postura sobre os hematomas. E aqui coloco a sociedade como um todo, não dividindo-a em política e povo. Dessa forma, cada um precisa saber a sua real parcela de culpa na formação deste indivíduo que hoje está sendo tachado pela simples pecha de DiMenor.  
Como disse Durkheim: “não podemos, nem devemos nos dedicar, todos, ao mesmo gênero de vida: temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e será nisso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incumbe. Nem todos fomos feitos para refletir; será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação.”

Mas uma coisa se choca contra as palavras do filosofo francês: se é preciso homens de ação e homens de sensibilidade, infelizmente contamos apenas com a não sensibilidade e com uma ação desmesuradamente covarde, insensata e pétrea. Pétrea como a cláusula que a Comissão de Constituição e Justiça que atropelar para punir o jovem e sua não juventude.  

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