terça-feira, 12 de julho de 2016

Tempo fresco

O termo “datado” pode parecer diminutivo para alguns artistas, principalmente quando, no anseio de permanecerem com ou resgatarem uma aura que já não lhes pertencem, abusam de sonoridades insossas ou deslocadas. Claro, milhares de grupos se mantém firmes aos seus propósitos com o passar dos anos, com uma ou outra mudança, e nesse balaio podemos colocar os Rolling Stones, Ac/Dc, Tower of Power, Toto ou Motorhead, dentre tantos outros.

Mayer Hawthorne não é mais um novato no mundo da música e, talvez, seja injusto dar a ele o título de datado. Desde a sua estreia, com “A Strange Arrangement”, aos 30 anos, em 2009, até o mais recente trabalho “Man about town”, o multi-instrumentista sempre andou numa estrada já pavimentada, apenas colocando pequenas modernidades, quase imperceptíveis, em suas músicas.
Do som da costa oeste norte americana, apimentado por São Francisco e California, passando pela surf music, doo-woop, o soul da Motown e Stax até chegar nas pick-ups dos anos 80 e 90, não há musica de Hawthorne em que não se encontre uma pincelada de coisa antiga, mas ainda pungente, forte, maciça.

Se no início da carreira ele se assemelhava a um Smokey Robinson repaginado, agora ele se encontra como uma mistura entre este e o duo Hall & Oates. Aliás, talvez essas sejam duas das influências mais marcantes, aos menos à primeira audição, no trabalho de Hawthorne. Mas cabe destacar, no entanto, que apesar desse ar retro, Mayer sempre apresenta uma toque de frescor e juventude. Algo como uma fusão entre os artistas da Daptone Records, onde se destacam, entre outros, Charles Bradley, Sharon Jones e The Frightnrs com a modernidade dos anos 2000.


Boas Batidas, ao som de Mayer Hawthrone. 



sábado, 2 de julho de 2016

Versos demitidos

Uma matéria supostamente despretensiosa no portal UOL chama a atenção de todos: ninguém conhece a homenageada da FLIP deste ano. O repórter, num texto diluído de informação, aponta para o velho lema do “brasileiro não sabe sobre seus heróis”.

Ana Cristina, Cristina César, Ana quem? Oras, a quem interessa o nome desta, também, poeta? Bom, não darei a resposta aqui, pois não quero incorrer em velhas constatações inúteis, prepotentes e arrogantes.

Dona de uma produção não tão vasta, cerca de dez livros, os póstumos incluídos, Ana Cristina foi uma das fortes vozes na poesia nacional em fins dos anos 1970 até a data de sua morte, em 1983. De lá pra cá, como ocorre e ocorrerá a tantos escritores, ficou relegada - ou reservada? – a leitores restritos e objeto de estudo acadêmico.

Somente em 2008, através do Instituto Moreira Salles, é que a autora voltou aos holofotes, com o relançamento de A Teus Pés, livro que se esgotara havia anos. Já em 2011, foi lançado o documentário Bruta Aventura em Versos, da cineasta Letícia Simões. Assim, estava em voga novamente o nome de Ana C.

Agora, passado o furor de sua redescoberta, surgem os grandes messias da cultura e apontam que o Brasil é mesmo um atraso, como ninguém conhece Cristina César? Como ninguém conhece uma escritora que passou anos longe até mesmo de prateleira de sebos, que morreu jovem, aos 31 anos, se lançando ao mundo da janela do 7º andar (“quando Ismália enlouqueceu, pôs-se na torre a sonhar...”) do apartamento de seus pais? Uma escritora que não frequenta os livros escolares, os temas de vestibular, os “saraus” de televisão, a boca do mundo?

Não, ninguém é ignorante por desconhecer a poeta que foi ativista cultural, professora, pesquisadora e gente e pessoa e humana. “Devagar escreva/ uma primeira letra/ escrava/ nas imediações/ construídas/ pelos furacões (...)”, e assim temos o mote, a vida sendo vagarosamente escrita, a primeira letra, uma e outra e mais outra que habitam o vazio dos furacões, o buraco do desconhecido.
A organização do evento acertou na homenagem, saiu do conforto dos medalhões para o choque das experimentações. Foi na linguagem subjetiva de uma poeta que bebeu em fontes múltiplas, como todos aqueles que a acompanharam na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Não são culpados aqueles que cancelaram a sua visita ao evento por não conhecerem a obra da homenageada; aqueles que foram, mas procuraram por outras personalidades. Lucrou, de fato, o estande de livros, que vende para um público feliz em consumir, não necessariamente sentir.  

Ninguém consegue explicar, de forma clara, como alguém cai no esquecimento ou na boca do povo em ondas incessantes e mancas. Ana Cristina é voz de diálogo, movimento, força e brutalidade, talvez daí advenha o renascer de um interesse em sua obra. 

O saldo disso tudo? Vejamos:

- O jornalismo chicoteia os incautos, mas vive de seus burros protegidos;

- A Flip já é um evento de boutique, não que isso a diminua;

- Artista relevante é aquele que dialoga; se não há diálogo, não há arte;

- Ana C. foi um prodígio, e largou a vida por razões tão íntimas quanto seus poemas;

- Cultura e conhecimento são coisas distintas, e nenhuma delas pode ser medida em número de livros lidos ou artistas conhecidos;

- O mundo da literatura sempre será povoado pelos “mas como você não conhece?”, e isso é ótimo;

- Por último, e mais importante:

“Também eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras
cato obsessões com fria têmpera e digo
do coração: não soube e digo
da palavra: não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede a raiva de ter visto”

(Psicografia – Ana C.)

Boas Batidas.

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