sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ritmo em vários tempos. Entrevista com Ivan Conti

 

São mais de 50 anos dedicados à música. Esteve presente em gravações e shows históricos, com gente como Tim Maia, Hyldon, Raul Seixas, Marcos Valle, Flora Purim, Paul Mauriat, Marcelo D2, Gal Costa, Clara Nunes, Tony Bizarro, Jorge Ben, Erasmo Carlos mais um sem fim de nomes. Rodou o mundo com os seus grooves inventivos e técnica refinada. Não bastasse isso, é um dos cabeças, há mais de quatro décadas, do trio Azymuth, junto a Alex Malheiros e José Bertrami (falecido, tendo sido substituído por Kiko Continentino - já entrevistado por aqui). Por e-mail, numa dessas pausas que a pandemia causou em nossas vidas, o baterista concedeu, muito prestativo e simpático, uma entrevista ao blog.

Ivan Mamão Conti dispensa muitas apresentações.

Boas Batidas, com Mamão. 

BS● Em sua página no bandcamp.com, você é descrito como “a resposta brasileira” a Tony Allen (já falecido), Steve Gadd e Bernard Purdie, todos absolutamente conhecidos e requisitados no mundo musical, seja para gravação ou shows. Mamão, você se considera uma lenda entre os bateristas?

Ivan Conti (Mamão) – (O pessoal) me chama assim, mas sinceramente continuo um profissional de bateria que gosta de tocar, fazer música. Isso (de lenda) é o que dizem, não eu! Em tempo, sou fã desses caras das baquetas, nos cruzamos muito por este mundo, e o Tony, nós fizemos Brasilintime juntos na Alemanha e Brasil.

BS● Quase 60 anos de música não tiraram de você o vigor necessário para tocar. Como é a sua rotina com a bateria?

Mamão - Minha rotina diária é praticamente a de sempre. Vou para o instrumento e faço alguns exercícios, toco um pouco, sempre desenferrujando, uma coisa que gosto... Daí sempre guardo, porque mais tarde sai música...

BS● Poison Fruit é um disco moderno, tropical, com uma proposta diferente do anterior, Pulsar. Como foi esse processo de criação? O material trouxe um novo público para você ou para o Azymuth?

Mamão - Poison nasceu em casa no meu pequeno estúdio, e aqui tenho meus equipamentos; no processo de pesquisa sobre batidas e loops (que) eu já experimento desde sempre, nos meus discos do grupo e solo. Poison tornou-se realidade (quando) me levou até a rapaziada que curte pixta, e era o que eu queria com este trabalho, colocar as pessoas para dançar, fazer música diferente do que eu faço para meu grupo.

BS● Funk, soul, hip-hop, groove, samba, jazz, easy listening, e a lista vai embora. Há algum terreno na musica onde você ainda não tenha trabalhado, mas que gostaria?  

Mamão - O que eu quero trabalhar já trabalhei: com orquestra. Mas tenho algumas músicas que (ainda) gostaria de fazer com esse acompanhamento. Se Deus quiser farei! Preciso de grana para pagar uma sinfônica.

BS● A pandemia assolou nossa perspectiva de ano, de viver. Isso atrasou os planos do Azymuth ou seus em 2020?

Mamão – (Em) 2020 muita coisa mudou. Meu grupo deixou de gravar nosso álbum e fazer nossa tour duas vezes ao ano pela Europa e Junho/USA. Solo a mesma coisa, Poison 2 não saiu e tudo parou no Brasil e no mundo para as artes em geral. Mas como já tenho realizado, continuei fazendo de casa minhas faixas de bateria a pedidos, assim gravei para D2 neste último disco dele, mandei bateria para DJ Ron Trent a pedido, e outras coisas que se não fosse a pandemia não iria parar para pensar em fazer. Junto de meu filho Thiago, temos bolado algumas coisas e tocamos juntos o Poison, mais o Rodrigo Coelho, o Grassmas...

BS● Vou citar cinco nomes e gostaria de sua opinião sobre eles, tudo bem?

Wilson das Neves: Meu ídolo, meu amigo, parceiro que me ensinou muito, inclusive a desbravar a leitura.

Dom Um Romão: Eu o assistia no começo de minha carreira no Beco das Garrafas. Encontrei com ele no Rio umas duas vezes quando vinha tocar por aqui no Brasil. Grande batera! Arrasava na bateria e os corações.

Marcos Valle: Além de grande amigo, um grande compositor, grande músico, e nosso padrinho do grupo, porque foi dele o nome AZYMUTH.

Far Out Recordings: Uma gravadora Inglesa que conhecemos em nossa viagem de 1995 em Londres e veio crescendo junto com a gente nesses 25 anos de parceria

Madlib: Outro grande amigo, grande DJ, grande músico e produtor que tive o imenso prazer de fazermos juntos o Brasilintime e sairmos em tour pela Europa. Daí nasceu o disco que fizemos juntos: Sujinho.

BS● Citei o Marcos Valle porque coloco vocês no mesmo balaio, artistas que além de não envelhecerem musicalmente, possuem uma mentalidade para gravar absolutamente qualquer coisa. Você acompanha o cenário musical da atualidade, o que costuma escutar?

Mamão - Obrigado pelo Azyma e pelo Marcos, mas quanto ao cenário atual da música brasileira tá difícil por causa do momento que estamos vivendo. Geralmente quando fazemos apresentações pelo país e no exterior também, sempre temos a chance de conhecer grupos novos que fazem abertura de shows. Isso é muito importante para banda nova. Sem isso fica difícil, porque radio quase nada acontece, TV menos ainda, mas eu tenho certeza que a música sobrevive.

BS● Agora voltando, bastante, no tempo. Beco das Garrafas, uma cena efervescente de trios instrumentais e cantores. O que você guarda daquele tempo, ainda trás algo daquilo para a sua música?

Mamão - Não resta a menor dúvida, eu tive o prazer e a felicidade de ter tocado em todas as casas de música que existiam em Copacabana no final dos anos 60/70. Era comum a todos os músicos... era o mundo nosso, sair de uma casa e ir para outra, ver, ser visto, aprender e ganhar dinheiro. O que guardo de tudo foi que aprendi o que era boa música, bem como aprender a tocar com quem sabia.

BS● Como você enxerga o cenário para a música instrumental no Brasil? E no exterior, há uma ruptura em como o público os recebe?

Mamão - Tenho esperança... O povo gosta de música e isso já é o mais importante. Temos grandes músicos, e no exterior o mesmo. Encontramos grandes bandas, grandes músicos espalhados por todos os lugares, isso desde sempre, na Europa, USA, Japão... Agora, “RUPTURA”? Somos sempre muito bem recebidos em qualquer lugar desse mundo, graças a Deus, tanto é que estamos na estrada desde 1968 e colocamos o 1º disco em 1975, com isso dede lá, são 45 anos viajando, e sempre nos acolheram em qualquer lugar que chegamos, o público e os músicos em geral.

BS● Palco pequeno ou grandes arenas?

Mamão - Palcos grandes e pequenos. Grandes festivais, grandes shows, pubs, clubs e teatros, graças a Deus!

BS● Sei que é difícil, dado o tamanho da história, mas poderia citar três momentos marcantes de sua careira?

Mamão - 1- PlayBoy JAZZ Festival, anos 1980;

2 - Montreaux Jazz 77  - 1º grupo brasileiro a participar;

3 - Orquestra de Paul Mauriat - fiz tour cost to cost pelo Japão e Coréia por três vezes, em 79/80/86, e gravei com ele (alguns) discos.

BS● Quais são os planos do Mamão para 2021?

Mamão - O céu é o limite, se Deus quiser e com saúde (vacina chegando), vamos com tudo que não deu para ser feito neste ano. O que podia (ser feito) dentro de casa eu fiz, graças a Deus!!

BS● Considerações finais.

Mamão - Obrigado a você, pela consideração, desculpe a demora, mas estando na pandemia o trabalho em casa estava muito presente, tentando se reinventar, dobra o serviço. Um grande abraço a você e a sua turma, a música salva e ninguém vive SEM..

quinta-feira, 16 de julho de 2020

A máscara que nada cobre


Vivemos tempos turbulentos, e isso não é novidade mesmo para aqueles que pensam que, na verdade, as coisas mudaram para melhor. Lá se vão quase 50 anos desde que Alice Cooper lançou a possante Elected, no disco Billion Dollar Babies (1972). E o que isso nos diz? Traçando uma linha direta com a nossa situação, significa que a música ainda funciona como uma gozação, mas poderia ser também um eco do que vivenciamos em 2018, durante a corrida presidencial.

Entre ataques, bravatas e violência irrestrita, o candidato vencedor fez exatamente o que está explicitado na letra de Cooper, que a descreveu como uma sátira. Diz o autor: “total political satire. We hate politics, but the idea of Alice, the scourge of the entire world,being President was just too good[1]". Na verdade a letra narra a sanha do personagem em tornar-se presidente, conclamando que ele é, sem dúvidas, a melhor escolha, com ironias como “Hallelujah, I wanna be selected” e “I never lied to you, I've always been cool”. Um dos trechos trazem o caráter religioso que permeia muitas campanhas políticas, ainda mais em países com histórica base religiosa, como o nosso. Também versa sobre algo muito associado à política, e aqui não faço juízo de valor: a mentira. Ou seja, ainda que mentiroso, mas religioso, o candidato já tem uma imagem bem definida para os eleitores.
Ao longo da música, entre bobagens e autopromoção do personagem, o grande mote: 

I wanna be elected, elected.
"And if I am elected
I promise the formation of a new party
A third party, the Wild Party!
I know we have problems,
We got problems right here in Central City,
We have problems on the North, South, East and West,
New York City, Saint Louis, Philadelphia, Los Angeles, Detroit, Chicago,
Everybody has problems,
And personally, I don't care[2]."    

Lendo até o fim é possível fazermos uma total analogia com o que passamos de 2018 para cá. Um fanfarrão mentiroso, apoiado nos braços religiosos do estado e da sociedade, visando tão somente o próprio ego e festança irrestrita. Para no fim proclamar, sem pudor, saber que existem problemas, mas que todo mundo os tem, e que no fim ele não se importa.
Alice Cooper, ele mesmo um falador controverso de questões políticas, apesar de dizer não gostar destas, gravou outra música que serve perfeitamente à linha de raciocínio aqui exposta. Go to Hell foi lançada em 1976, no disco Goes to Hell. A faixa funciona como a uma sentença. Por inúmeras coisas feitas, como atos de violência, por ter se comportado como a um moleque, enfurecido cidadãos, duvidar de autoridades e ser obsceno, dentre tantas outras falhas, vá para o inferno.
Certamente Vincent não as gravou pensando no futuro que flerta com o distópico e despótico, como o nosso, mas as músicas servem para inúmeros propósitos, bem como ganham diversos significados com o passar dos anos, mesmo controversos.
Antes, o voto, depois, o inferno.




[1] (sátira política total. Nós odiamos a política, mas a ideia de Alice, o flagelo do mundo inteiro, ser presidente era boa demais).
[2] Eu quero ser eleito, eleito/ "E se eu for eleito/ Prometo a formação de um novo partido/ Um terceiro, o Wild Party!/ Eu sei que temos problemas,/ Temos problemas aqui em Central City,/ Temos problemas no norte, sul, leste e oeste,/ Cidade de Nova York, Saint Louis, Filadélfia, Los Angeles, Detroit, Chicago,/ Todo mundo tem problemas,/ E pessoalmente, eu não ligo.)



quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A estrada permanece

FONTE: sendaiben.org
A estrada pode ser um caminho para lugar nenhum ou para todos eles. Não importa onde você tenha chegado ou de onde partiu, ela sempre encontra um fim em si. A estrada, bacia de medos, mentiras e glórias, percalço e degrau. 

Ao longo dos anos, muitos sentem a necessidade de permanência nesse caminho tortuoso e cheio de curvas, cruzamentos e buracos, ainda que seja somente para continuar rodando, sem parada alguma. Sim, existem muitas coisas para serem vistas nessas estradas, mas não são todas elas que servem àqueles que por ela se aventuram. Cada um com seu tijolo, parece.

Nessas últimas semanas, uma quantidade de músicos apontou que deixaram ou estão se despedindo da estrada, a rodovia da gloria e do fracasso. São pessoas que conseguiram chegar ao máximo do estrelato, venderam muito, tocaram e se apresentaram muito, mas essa estrada tem mesmo que acabar, não? Ou, melhor, nós e que nos acabamos por entre seus caminhos.

Recentemente, Alex Lifeson afirmou que o Rush está oficialmente terminado. O ponto principal é a recusa do baterista Neil Peart em tocar, uma vez que, segundo ele, não consegue mais dar 100% no palco – sofre tendinite. Dessa forma, a maior banda de rock do Canadá encerra a sua brilhante historia, com mais de 40 anos de palco e estrada.  

Seguindo a despedida, Ozzy Osbourne, Lynyrd Skynyrd e Slayer também revelaram que farão as suas derradeiras turnês. O primeiro embarca neste ano na sua Farewell World Tour, com shows até 2020. Ozzy já terminou a End Treck Tour com o Black Sabbath, quando os ingleses encerraram definitivamente a carreira, em 2017. O mesmo Ozzy embarcou na sua No More Tours, em 1992, após, aparentemente, ter sido diagnosticado com Esclerose Múltipla. No entanto, três anos depois, retornou com a Retirement Sucks Tour e desde então permanece na estrada.

O Lynyrd é mais marcado pelo terrível acidente que devastou a banda nos anos 70 do que pela sua música, ainda que tenha uma base fiel de fãs, lotem arenas e lancem discos com certa regularidade desde o seu retorno, na década de 1990. A turnê, chamada de Last of the Street Survivors Farewell Tour, começa em maio e, aparentemente, se estenderá por cerca de dois anos. No entanto, já há rumores de que os membros possam repensar esse fim.

O Slayer está com mais de 35 anos de estrada, tendo permanecido fiel ao seu estilo durante todo esse tempo. Com duas mudanças na formação original e uma discografia curta, porém honesta, o grupo decidiu finalizar o processo nas estradas. Tom Araya, baixista e vocalista da banda, há muito deixa claro o quanto essa vida de shows, viagens e hotéis é desgastante, afastando-o de sua família e seja lá qual o outro afazer. Assim, essa turnê realmente termina tudo.

Outro que embarca para seus derradeiros shows é Elton John, com a Farewell Yellow Brick Road Tour, com mais de 300 shows marcados em cerca de três anos. Será uma bela despedida após 50 anos de carreira. Assim, a estrada de tijolos amarelos termina o seu ciclo, ou um ciclo nela se termina, quem sabe.

Pra finalizar, mais um artista decidiu se aposentar, porém sem turnê, nem centenas de shows. Trata-se de Paul Simon, que anunciou faz poucas horas que fará a sua última apresentação. Será no dia 15 de julho, no British Summer Time Hyde Park Festival. Acompanhado de James Taylor e Bonnie Raitt, Simon passará a limpo toda a sua carreira, desde os tempos da dupla Simon & Garfunkel. A cantor destacou que o showbizz não trás mais nenhum interesse a ele, e que por isso é hora de parar.

FONTE: Stories & Songs
Lembrando dos versos do Savatage e seu epitáfio prematuro, "When the Crowds are Gone": Never wanted to go / Always wanted to stay / Cause the persons I am are the parts that I play / So I plot and I plan / Hope and I scheme / To the lure of a night / Filled with unfinished dreams / And I'm holding on tight /To a world gone astray / As they charge me for years / I can no longer pay / And the lights / Turn them off my friend / And the ghosts / Well just let them in / Cause in the dark / It's easier to see.

(Nunca quis partir / Sempre quis ficar / Porque a pessoa que sou, são as partes que toco / Então eu toco e eu planejo / Tenho esperança e arquiteto / Para a isca de uma noite / Cheia de sonhos inacabados / E eu estou segurando firme / Para um mundo que se perdeu / Enquanto eles me cobram por anos / Que eu não posso mais pagar. / E as luzes / Apague-as, meu amigo / E os fantasmas / Bem, apenas deixe-os entrar / Porque na escuridão / É mais fácil de enxergar.

Enfim, a estrada, o imenso vazio de concreto e acostamentos. Essa permanecerá, inevitavelmente. Mas, a pergunta, quem dela fará apropriação? Quem dela usará até o último bloco, tornando-se assim a própria estrada. 

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O meu que não é seu

Johnny Hooker e Liniker, no clipe de Flutua
FONTE: papelpop
A sexualidade sempre foi tema de discussão calorosa e, muitas vezes, ignorante. Afinal de contas, devemos mesmo prestar satisfações sobre o nosso prazer; até que ponto o amar, o êxtase, o sensual e sexual devem ser colocados em pauta, ainda mais em lugares que não agregam em nada seja lá o que for à vida de seja lá quem for?

Não bastasse o teor natural dessa discussão, ela também envereda por outros caminhos, especialmente quando envolvem pessoas do mesmo sexo. Ainda que em muitos países o homossexualismo seja combatido e muitos neguem que o pratiquem – o tradicional “não tenho nada contra, mas não aprovo”, a morte de homossexuais no mundo atinge cada vez mais níveis alarmantes, que compactuam com as mais altas e cruéis barbáries humanas já praticadas.

No Brasil, pais que lidera o ranking, só no ano de 2016, foram computadas mais de 340 mortes, e esse número pode ser bem maior. O curioso é que a nação não se encontra nem entre os 20 países mais homofóbicos do mundo, aqueles em que ser LGBT é passível de morte, trancafiamento, penas físicas e demais sevícias.

É comum que muitos saiam dizendo que o mundo era melhor antes, que agora qualquer brincadeira já é ofensa e que tudo isso não passa de frescura. Mas, não é bem por ai. Essas falas geralmente partem de pessoas que passaram anos e anos humilhando uma extensa gama de gente, com as mais diversificadas características: físicas, mentais, sociais, dente outras. São pessoas assim que ainda fazem com que se perpetue uma visão atrasada sobre sexualidade, geralmente com viés religioso e sua concepção imaculada do sexo, a eterna dupla Adão e Eva, e tudo o mais é maçã e pecado.

Surfando na onda do anti preconceito, destacamos inúmeros entusiastas e militantes dessa causa sem fim. Este século nos brindou com duas músicas que podem ser consideradas hinos contra todo esse retrocesso contínuo que assola os mais diversos países. Um veio da Irlanda, país que descriminalizou o homossexualismo em 1993. O outro vem do Brasil, como citado, ainda que ser homossexual não seja um crime aqui, estamos longe de uma união entre as partes envolvidas.

Hozier começou a sua carreira em 2013, após largar a faculdade para se dedicar à música. Estreou com Take me to Chruch no mesmo ano. Foi com essa estreia que seu nome foi lançado ao estrelado – e caótico – mundo pop, transformando o seu lamento inconformado em produto vendável. Capitalismo à parte, a letra e o clipe chamam a atenção para o sofrimento inerente aos homossexuais, pelo simples fato de se envolverem sexualmente com alguém do mesmo sexo, ainda que a noção de sexo não seja tão simples de ser explicada. Chama a atenção para o conflito entre religiosidade e sexualidade, em como esses dois conceitos diversos se chocam, levando até mesmo aos atos vis da violência e intolerância. Necessário destacar que a letra não trata especificamente do homossexualismo, fato que foi levado mais em consideração apenas pelo seu clipe. É antes, nas palavras do compositor, uma canção sobre sexo e sexualidade, fazendo referência à Igreja como instituição que força as pessoas a se sentirem envergonhadas pela sua sexualidade e mesmo discriminar a orientação sexual alheia.

Na mesma levada, pulando três anos no tempo, temos Johnny Hooker e Liniker, os brasileiros que igualmente levantaram essa questão, mas aqui já de uma forma mais explicita e crua, ainda que com um romantismo permeando a interpretação dos cantores. Na música Flutua, temos um casal homossexual e surdo, que por uma, outra, provavelmente ambas, as coisas são vítimas de uma sociedade punitiva e cruel. Aqui, deixando a religião de lado, temos o frequente fato do quanto as pessoas se incomodam com a sexualidade alheia, em quanto alguém parecer pleno e feliz, solto e liberto é o bastante para despertar o monstro do preconceito, travestido com a sua casaca da moral e do bem.

Não é necessário detalhar cada um dos clipes, estes estão na rede, já foram super dissecados, escutados e tudo o mais. O que deve ser destacado é que cada vez mais se faz necessário uma geração de pessoas que cheguem as massas – aqui considerando toda a sua diversidade, e diga a elas que não estão só, que lutem, que amem, que se apaixonem, que sofram, que saibam viver apesar dos tribunais, das forcas e carrascos, que saibam que o mundo se move por amor, das paixões loucas e ferozes aos casos na praça, com sorvete na mão, sorriso no rosto e uma franja balançando ao vento.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Trinta anos na sarjeta



Forever we stand
And we'll make it through
'Cause I know that I can't live without you
No…
Aguentaremos para sempre
E nós vamos conseguir
Porque eu sei que eu não consigo viver sem você
Não...


Sebastian Bach cantou isso com tanto vigor que é difícil não acreditar que aguentariam mesmo. Agora, exatos trinta anos depois, o que sobra é uma carreira demolida por egos, brigas não esclarecidas e, ao menos dois discos irretocáveis.

Foi em 24 de janeiro de 1988 que o Skid Row lançava o seu primeiro disco, autointitulado. Instantaneamente o trabalho estourou com três sucessos: I Remember You, Youth Gone WIld e 18 and Life, alcançando a sexta posição na Billboard 200 e vendendo mais de 5 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos. Nada mal para uma banda iniciante.

A turnê do álbum de estreia durou 17 meses; abriram para o Bon Jovi (este um dos grandes responsáveis pela gravadora aceitar que o Skid Row gravasse seu primeiro disco, já que era grande amigo de Rachel Bolan, baixista da banda) e Aerosmith. Dentre os destaques, tocaram para mais de 70 mil pessoas em Moscou e fecharam duas noites no Hammersmith Odeon.

Deixando os números de lado, o disco é realmente muito bom, mesmo para os padrões do então “Hair Metal”. Além das músicas citadas, o trabalho contém pelo menos mais quatro produções de destaque, entre elas Here I am  e Piece of Me. Com essa formação, o Skid Row ainda lançaria o clássico Slave to the Grind, em 1991 e o pesado e sombrio Subhuman Race, em 1995, além do EP B-Sides Ourselves, de 1992. Depois disso, o que ocorreu foi uma sucessão de fatos obscuros, culminando com a banda fazendo seu último show com essa formação no Brasil, durante o Monster of Rock, em 1996.

Alguns dizem que foi pela queda nas vendas, sumiço na MTV e crescente fama do Grunge na década de 1990. Outros que a banda (exceto Bach) se recusou a abrir para o Kiss em parte de sua turnê de despedida. O que temos, no entanto, é um grupo ainda na ativa e duas dezenas de ótimas composições. Mas isso, agora, não é muita coisa em face do que poderia ter sido. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Uma antiga geração


A ideia de que sempre haverá um grupo de pessoas que jamais serão realmente reconhecidas pelo seu talento já é antiga, mas torna-se diariamente nova, cotidiana, lugar comum, cais do porto para os inconformados e tristes, saudosistas e sabedores, moucos e esquecidos.

Geralmente essa ideia é usada por aqueles que falam sobre os mais variados assuntos, a dita arte e cultura, o popular, o banal, o simples, o imponente. Não importa, como já dito, sempre haverá o esquecido. Parece mesmo que não há lugar para todos, ou mesmo para ninguém, ainda que seu talento seja digno de reverência e admiração.

O papel de arranjador no Brasil parece algo desconhecido em nossos dias, ainda que não seja verdade. Ocorre que em décadas passadas, esse sujeito tinha o mesmo peso do artista o qual ele produzia, e assim uma infinidade de maestros e arranjadores estampavam os seus nomes em discos de peso. Dessa forma, gente como Lindolpho Gaya, Hélio Delmiro, Moacir Santos, Antônio Adolfo, J. T. Meireles, Leo Peracchi ou Geraldo Vespar eram facilmente identificáveis pelos seus arranjos em inúmeros trabalhos fonográficos.

Apareciam pelos seus arranjos de cordas, um instrumento diferente, andamentos inovadores, corais de destaque ou pela mistura ou falta disso tudo. Sim, havia espaço para o experimentalismo, para a comoção dos sentidos ou ressignificação da escuta, numa época em que ainda não vivíamos essa sensação de copo cheio, profundo tédio e distância de novidades. 

Lançado em 1965, Samba, Nova Geração, trazia, então, o jovem Geraldo Vespar em sua primeira tentativa solo, acompanhado de um time de músicos, infelizmente, não creditados pela Odeon no disco. Dessa forma, fica impossível saber quem tocou, além de Vespar, nas 12 composições do LP. Vespar é um violonista de enorme talento, tento estudado com ilustres como Moacir Santos, e mesmo o acompanhado por dois anos em shows e gravações. Mas isso ainda é parte pequena de sua carreira.

Ainda que não tenha nada de inovador, trata-se de importante registro fonográfico, principalmente por ser seu único disco relançado, dando um caráter de raridade.  

O disco foi recebido com grande sucesso pela crítica, tendo recebido o prêmio O Guarani, de revelação do ano. Abre com Deus Brasileiro, dos irmãos Valle, que também são lembrados em E vem o Sol, Preciso Aprender a Ser Só e Gente. Também trás Chuva, de Durval Ferreira e Pedro Camargo, posteriormente gravada pela dupla Baden e Einhorn, no disco Tempo Feliz. Menescal, Donato e Jobim são outros que tiveram composições gravadas nesse álbum. Talvez por reverência aos citados, Vespar aparece como compositor apenas em uma das faixas: Céu Sem Sol.

Após esse disco, Geraldo Vespar continuou a sua carreira de arranjador e instrumentista, tendo trabalhado com João Nogueira, Beth Carvalho, Eumir Deodato, Cesar Camargo, Pacífico Mascarenhas, Sylvia Telles, dentre outros.

Gravou ainda sobre os pseudônimos Delano e Gerard, também lançou alguns poucos LP´s e compactos. Firmou-se como arranjador e solista na orquestra de Paul Mauriat, com quem trabalhou nas décadas de 70 e 80, além das orquestras de Cipó e Astor, dentre outras. 

Hoje, passados mais de cinco décadas de lançamento de Samba, Nova Geração, a música já se despiu e desnudou de maneiras diversas. Ganhou codinomes, apelidos e denominações desnecessárias. No meio disso tudo, Geraldo encontra-se no alto de seus 80 e poucos anos, talvez esquecido, mas não morto, esperando sempre que uma nova geração o encontre pelos sambas incontáveis da vida.   

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Viver é morrer a cada dia


Onze de setembro, a data que marcou uma geração de pessoas, ainda que de forma indireta. E lá se vão quase 13 anos desde a primeira aparição do Linkin Park no Brasil, em sua apresentação no Chimera Music Festival, em setembro de 2004. Até aí, nada demais. O interessante foi a banda de abertura, o Charlie Brown Jr., capitaneado por Chorão, Champignon e Cia.
Março de 2013, madrugada. Encontrado pelo seu motorista, o corpo de Chorão já estava havia dois dias largado no chão de seu apartamento. No laudo médico, overdose por cocaína. Morria o homem e, inevitavelmente, pelas mãos insaciáveis do mainstream, criava-as a lenda.
Setembro de 2013, noite. Champignon, segundo homem forte no Charlie Brown Jr. comete suicídio, dando um tiro de pistola em sua cabeça.
Maio de 2017. Após um show em Detroit com sua banda Soundgarden, o cantor Chris Cornell sobe ao seu quarto e tira a própria vida, por enforcamento. Chris era grande amigo de Chester Bennington, cantor do Linkin Park, o qual ficou profundamente abalado pela morte do colega.
Julho de 2017. Chester comete suicídio, por enforcamento, em sua casa. É o fim de uma era para uma banda que alcançou tantos fãs quanto detratores em quase 20 anos de carreira e mais de 70 milhões de discos vendidos.
Passada toda essa breve descrição, onde a morte acaba unindo, sem critérios, todos esses personagens citados, temos personagens de si próprios, lutando contra um mal externamente silencioso, mas que berra e urra até mesmo nos momentos de calmaria.
É difícil entender o que há na cabeça de um suicida, bem como daquelas pessoas que vivem. O que há por trás da vida e da morte, quais suas razões? Se perguntarmos para mil pessoas, talvez tenhamos mil respostas diferentes, antagônicas, correlatas. E assim, passados mais de uma década daquele Chimera Music Festival, temos quatro suicídios, cometidos por pessoas que, de alguma forma, estavam profundamente unidas.
É, a vida tem dessas coisas.

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