sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ritmo em vários tempos. Entrevista com Ivan Conti

 

São mais de 50 anos dedicados à música. Esteve presente em gravações e shows históricos, com gente como Tim Maia, Hyldon, Raul Seixas, Marcos Valle, Flora Purim, Paul Mauriat, Marcelo D2, Gal Costa, Clara Nunes, Tony Bizarro, Jorge Ben, Erasmo Carlos mais um sem fim de nomes. Rodou o mundo com os seus grooves inventivos e técnica refinada. Não bastasse isso, é um dos cabeças, há mais de quatro décadas, do trio Azymuth, junto a Alex Malheiros e José Bertrami (falecido, tendo sido substituído por Kiko Continentino - já entrevistado por aqui). Por e-mail, numa dessas pausas que a pandemia causou em nossas vidas, o baterista concedeu, muito prestativo e simpático, uma entrevista ao blog.

Ivan Mamão Conti dispensa muitas apresentações.

Boas Batidas, com Mamão. 

BS● Em sua página no bandcamp.com, você é descrito como “a resposta brasileira” a Tony Allen (já falecido), Steve Gadd e Bernard Purdie, todos absolutamente conhecidos e requisitados no mundo musical, seja para gravação ou shows. Mamão, você se considera uma lenda entre os bateristas?

Ivan Conti (Mamão) – (O pessoal) me chama assim, mas sinceramente continuo um profissional de bateria que gosta de tocar, fazer música. Isso (de lenda) é o que dizem, não eu! Em tempo, sou fã desses caras das baquetas, nos cruzamos muito por este mundo, e o Tony, nós fizemos Brasilintime juntos na Alemanha e Brasil.

BS● Quase 60 anos de música não tiraram de você o vigor necessário para tocar. Como é a sua rotina com a bateria?

Mamão - Minha rotina diária é praticamente a de sempre. Vou para o instrumento e faço alguns exercícios, toco um pouco, sempre desenferrujando, uma coisa que gosto... Daí sempre guardo, porque mais tarde sai música...

BS● Poison Fruit é um disco moderno, tropical, com uma proposta diferente do anterior, Pulsar. Como foi esse processo de criação? O material trouxe um novo público para você ou para o Azymuth?

Mamão - Poison nasceu em casa no meu pequeno estúdio, e aqui tenho meus equipamentos; no processo de pesquisa sobre batidas e loops (que) eu já experimento desde sempre, nos meus discos do grupo e solo. Poison tornou-se realidade (quando) me levou até a rapaziada que curte pixta, e era o que eu queria com este trabalho, colocar as pessoas para dançar, fazer música diferente do que eu faço para meu grupo.

BS● Funk, soul, hip-hop, groove, samba, jazz, easy listening, e a lista vai embora. Há algum terreno na musica onde você ainda não tenha trabalhado, mas que gostaria?  

Mamão - O que eu quero trabalhar já trabalhei: com orquestra. Mas tenho algumas músicas que (ainda) gostaria de fazer com esse acompanhamento. Se Deus quiser farei! Preciso de grana para pagar uma sinfônica.

BS● A pandemia assolou nossa perspectiva de ano, de viver. Isso atrasou os planos do Azymuth ou seus em 2020?

Mamão – (Em) 2020 muita coisa mudou. Meu grupo deixou de gravar nosso álbum e fazer nossa tour duas vezes ao ano pela Europa e Junho/USA. Solo a mesma coisa, Poison 2 não saiu e tudo parou no Brasil e no mundo para as artes em geral. Mas como já tenho realizado, continuei fazendo de casa minhas faixas de bateria a pedidos, assim gravei para D2 neste último disco dele, mandei bateria para DJ Ron Trent a pedido, e outras coisas que se não fosse a pandemia não iria parar para pensar em fazer. Junto de meu filho Thiago, temos bolado algumas coisas e tocamos juntos o Poison, mais o Rodrigo Coelho, o Grassmas...

BS● Vou citar cinco nomes e gostaria de sua opinião sobre eles, tudo bem?

Wilson das Neves: Meu ídolo, meu amigo, parceiro que me ensinou muito, inclusive a desbravar a leitura.

Dom Um Romão: Eu o assistia no começo de minha carreira no Beco das Garrafas. Encontrei com ele no Rio umas duas vezes quando vinha tocar por aqui no Brasil. Grande batera! Arrasava na bateria e os corações.

Marcos Valle: Além de grande amigo, um grande compositor, grande músico, e nosso padrinho do grupo, porque foi dele o nome AZYMUTH.

Far Out Recordings: Uma gravadora Inglesa que conhecemos em nossa viagem de 1995 em Londres e veio crescendo junto com a gente nesses 25 anos de parceria

Madlib: Outro grande amigo, grande DJ, grande músico e produtor que tive o imenso prazer de fazermos juntos o Brasilintime e sairmos em tour pela Europa. Daí nasceu o disco que fizemos juntos: Sujinho.

BS● Citei o Marcos Valle porque coloco vocês no mesmo balaio, artistas que além de não envelhecerem musicalmente, possuem uma mentalidade para gravar absolutamente qualquer coisa. Você acompanha o cenário musical da atualidade, o que costuma escutar?

Mamão - Obrigado pelo Azyma e pelo Marcos, mas quanto ao cenário atual da música brasileira tá difícil por causa do momento que estamos vivendo. Geralmente quando fazemos apresentações pelo país e no exterior também, sempre temos a chance de conhecer grupos novos que fazem abertura de shows. Isso é muito importante para banda nova. Sem isso fica difícil, porque radio quase nada acontece, TV menos ainda, mas eu tenho certeza que a música sobrevive.

BS● Agora voltando, bastante, no tempo. Beco das Garrafas, uma cena efervescente de trios instrumentais e cantores. O que você guarda daquele tempo, ainda trás algo daquilo para a sua música?

Mamão - Não resta a menor dúvida, eu tive o prazer e a felicidade de ter tocado em todas as casas de música que existiam em Copacabana no final dos anos 60/70. Era comum a todos os músicos... era o mundo nosso, sair de uma casa e ir para outra, ver, ser visto, aprender e ganhar dinheiro. O que guardo de tudo foi que aprendi o que era boa música, bem como aprender a tocar com quem sabia.

BS● Como você enxerga o cenário para a música instrumental no Brasil? E no exterior, há uma ruptura em como o público os recebe?

Mamão - Tenho esperança... O povo gosta de música e isso já é o mais importante. Temos grandes músicos, e no exterior o mesmo. Encontramos grandes bandas, grandes músicos espalhados por todos os lugares, isso desde sempre, na Europa, USA, Japão... Agora, “RUPTURA”? Somos sempre muito bem recebidos em qualquer lugar desse mundo, graças a Deus, tanto é que estamos na estrada desde 1968 e colocamos o 1º disco em 1975, com isso dede lá, são 45 anos viajando, e sempre nos acolheram em qualquer lugar que chegamos, o público e os músicos em geral.

BS● Palco pequeno ou grandes arenas?

Mamão - Palcos grandes e pequenos. Grandes festivais, grandes shows, pubs, clubs e teatros, graças a Deus!

BS● Sei que é difícil, dado o tamanho da história, mas poderia citar três momentos marcantes de sua careira?

Mamão - 1- PlayBoy JAZZ Festival, anos 1980;

2 - Montreaux Jazz 77  - 1º grupo brasileiro a participar;

3 - Orquestra de Paul Mauriat - fiz tour cost to cost pelo Japão e Coréia por três vezes, em 79/80/86, e gravei com ele (alguns) discos.

BS● Quais são os planos do Mamão para 2021?

Mamão - O céu é o limite, se Deus quiser e com saúde (vacina chegando), vamos com tudo que não deu para ser feito neste ano. O que podia (ser feito) dentro de casa eu fiz, graças a Deus!!

BS● Considerações finais.

Mamão - Obrigado a você, pela consideração, desculpe a demora, mas estando na pandemia o trabalho em casa estava muito presente, tentando se reinventar, dobra o serviço. Um grande abraço a você e a sua turma, a música salva e ninguém vive SEM..

quinta-feira, 16 de julho de 2020

A máscara que nada cobre


Vivemos tempos turbulentos, e isso não é novidade mesmo para aqueles que pensam que, na verdade, as coisas mudaram para melhor. Lá se vão quase 50 anos desde que Alice Cooper lançou a possante Elected, no disco Billion Dollar Babies (1972). E o que isso nos diz? Traçando uma linha direta com a nossa situação, significa que a música ainda funciona como uma gozação, mas poderia ser também um eco do que vivenciamos em 2018, durante a corrida presidencial.

Entre ataques, bravatas e violência irrestrita, o candidato vencedor fez exatamente o que está explicitado na letra de Cooper, que a descreveu como uma sátira. Diz o autor: “total political satire. We hate politics, but the idea of Alice, the scourge of the entire world,being President was just too good[1]". Na verdade a letra narra a sanha do personagem em tornar-se presidente, conclamando que ele é, sem dúvidas, a melhor escolha, com ironias como “Hallelujah, I wanna be selected” e “I never lied to you, I've always been cool”. Um dos trechos trazem o caráter religioso que permeia muitas campanhas políticas, ainda mais em países com histórica base religiosa, como o nosso. Também versa sobre algo muito associado à política, e aqui não faço juízo de valor: a mentira. Ou seja, ainda que mentiroso, mas religioso, o candidato já tem uma imagem bem definida para os eleitores.
Ao longo da música, entre bobagens e autopromoção do personagem, o grande mote: 

I wanna be elected, elected.
"And if I am elected
I promise the formation of a new party
A third party, the Wild Party!
I know we have problems,
We got problems right here in Central City,
We have problems on the North, South, East and West,
New York City, Saint Louis, Philadelphia, Los Angeles, Detroit, Chicago,
Everybody has problems,
And personally, I don't care[2]."    

Lendo até o fim é possível fazermos uma total analogia com o que passamos de 2018 para cá. Um fanfarrão mentiroso, apoiado nos braços religiosos do estado e da sociedade, visando tão somente o próprio ego e festança irrestrita. Para no fim proclamar, sem pudor, saber que existem problemas, mas que todo mundo os tem, e que no fim ele não se importa.
Alice Cooper, ele mesmo um falador controverso de questões políticas, apesar de dizer não gostar destas, gravou outra música que serve perfeitamente à linha de raciocínio aqui exposta. Go to Hell foi lançada em 1976, no disco Goes to Hell. A faixa funciona como a uma sentença. Por inúmeras coisas feitas, como atos de violência, por ter se comportado como a um moleque, enfurecido cidadãos, duvidar de autoridades e ser obsceno, dentre tantas outras falhas, vá para o inferno.
Certamente Vincent não as gravou pensando no futuro que flerta com o distópico e despótico, como o nosso, mas as músicas servem para inúmeros propósitos, bem como ganham diversos significados com o passar dos anos, mesmo controversos.
Antes, o voto, depois, o inferno.




[1] (sátira política total. Nós odiamos a política, mas a ideia de Alice, o flagelo do mundo inteiro, ser presidente era boa demais).
[2] Eu quero ser eleito, eleito/ "E se eu for eleito/ Prometo a formação de um novo partido/ Um terceiro, o Wild Party!/ Eu sei que temos problemas,/ Temos problemas aqui em Central City,/ Temos problemas no norte, sul, leste e oeste,/ Cidade de Nova York, Saint Louis, Filadélfia, Los Angeles, Detroit, Chicago,/ Todo mundo tem problemas,/ E pessoalmente, eu não ligo.)



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