quarta-feira, 23 de junho de 2010

Na sutileza. Entrevista com Kiko Continentino

Provavelmente um prodígio no seu instrumento. Compositor de mão cheia, com um currículo respeitável, onde se inclui mais de dez anos na banda de Milton Nascimento, participações em alguns dos mais respeitados festivais de música do mundo e gravações/apresentações com brilhantes da música brasileira. Nesse time, destaque para Pepeu Gomes, Mauro Senise, Guinga, Leny Andrade, João Bosco, Emílio Santiago, Marcos Valle, Durval Ferreira, Toninho Horta, Erasmo Carlos, Edu Lobo, Nelson Ângelo, Arthur Maia, Nivaldo Ornelas, Silvio César, entre tantos outros.

No meio de sua concorrida agenda, o músico concedeu uma entrevista ao BS. Com a palavra o pianista, arranjador e compositor Kiko Continentino.

BS● Aos quinze anos você já se apresentava profissionalmente. Como foi esse começo de carreira?

Continentino - No início dos anos 80, meu pai Mauro Continentino concebeu uma casa noturna, um jazz-club em Belo Horizonte - minha cidade natal. Chamava-se Pianíssimo Studio Bar. Sua esposa na época, Marisa Gandelman, também tocava no Pianíssimo e ajudou a administrar o bar durante os seis anos em que funcionou. Foi lá que me iniciei na música profissionalmente. Tocava todas as noites, de segunda-feira a segunda-feira. Seu projeto era revolucionário para os padrões brasileiros. Com vinte e cinco anos de carreira, ainda nunca vi nada igual em matéria de conceito. Como diz o nome, o local tinha toda a estrutura de um estúdio, isolamento acústico nas paredes, teto, janelas blindadas e ar condicionado central (diminuindo ao máximo o nível de ruído). Para entrar no recinto, uma antecâmara, como nos estúdio profissionais de gravação. Lá havia um piano Yamaha 1/4 de cauda que - muitos duvidam - meu velho e a Marisa conseguiram comprar tocando em outras casas, sempre por couvert artístico. A maioria dos proprietários de bares com música ao vivo costuma conviver com aquele problema de vazamento do som pros vizinhos - o que sempre gera muita reclamação. Mas o que o meu pai queria mesmo era isolar o barulho da rua, que vinha de fora para dentro - pra não interferir no som que fazíamos lá. Interessante que o logotipo não era um piano, teclado ou algo assim (como o nome poderia fazer supor), mas sim um disco de vinil. Lá havia uma farta discoteca, com LPs importados, a maioria de jazz e bossa-nova. Essa foi a minha maior escola: tocar, ouvir, tocar e ouvir muito. Desde pequeno tinha contato diário com Miles Davis, Jobim, Duke, Tamba trio, Bill Evans, Parker, Donato, Edu, Monk, Coltrane, Pixinguinha entre outros mestres.

BS● Além de Tom Jobim, quais são suas influências?

Continentino - Muitas. Do jazz à bossa-nova. Do samba ao soul e o verdadeiro funk (a música negra dos norte-americanos). De todas as regiões do Brasil – cada uma com sua riqueza particular. Dos latinos à música clássica. Ouço também rock, pop, etc. De tudo o que ouço e gosto, capturo elementos aleatoriamente – por afinidade mesmo, reprocesso à minha maneira e utilizo na música que produzo.

BS● Apesar de novo, você já possui uma respeitável bagagem, se apresentando tanto com medalhões como jovens talentos. O que esperar dessa nova turma que aparece? Algum destaque?

Continentino - Do alto de quase 41 anos, agradeço pelo “novo”. Mas realmente me sinto bem jovem e com muita coisa por fazer, apesar da predileção pela música que se fazia nos anos 60 e 70 – essas impregnadas de uma verdadeira modernidade e bom gosto natural. De forma geral, sinto que a música que se faz hoje é muito mais “cafona”, mais pobre do que antes. Arranjos, melodia, harmonia e letra, inclusive. Lógico que há exceções – e não são poucas, mas não consigo contemporizar com o meio musical da atualidade e achar que tudo o que é “moderno” é bom. Isso não dá pra mim. O que vejo, infelizmente, é justamente o contrário... Na cena da música instrumental, vejo com felicidade o surgimento de uma turma de grandes instrumentistas, muito talentosos e bem preparados. Eles vêm de várias partes do Brasil (um país continental), a maioria fora do eixo Rio – São Paulo (o que acho maravilhoso) de Brasília, do Sul, do Norte, oeste... Gente que soube usar a farta informação disponível na rede (que não existia na época em que comecei) e está criando uma linguagem atualizada, abrindo espaço junto ao público para a música instrumental. Entretanto, sinto às vezes que essa turma gosta de tocar (sempre) muitas notas, geralmente em andamentos acelerados, privilegiando muito mais a técnica e o virtuosismo. Acho que com o amadurecimento natural do trabalho desses instrumentistas, nossa música terá muito a ganhar num futuro bem próximo.

BS● Como surgiu a oportunidade de se apresentar com Milton Nascimento?

Continentino - Há treze anos atrás o Bituca me convidou para substituir o pianista uruguaio Hugo Fattoruzzo no seu grupo. Foi na estréia de um prestigiado projeto, “Tambores de Minas”. Sigo com ele desde então. Dois anos antes, em 1995, já havia feito duas apresentações com o Milton, que apadrinhou e participou de alguns shows do Bernardo Lobo (filho de Edu), cujos arranjos e direção musical eu assinava. Nosso convidado gostou do meu trabalho - o que muito me honrou – e mais tarde, com a impossibilidade de o Hugo (que morava no exterior) continuar na banda, me oficializou no grupo. Tocar com o Milton é uma experiência única, assim como o seu jeito de fazer música. Milton se tornou um estilo de música e arte universal.

BS● Você possui volumosa parceria com instrumentistas diversos. Ainda há espaço para a música instrumental no Brasil, ou o mercado internacional é mais vantajoso?

Continentino - Temos que trabalhar nas duas frentes. Acredito que ainda há muito, mas muito mesmo o que ser explorado no Brasil. Sinto isso ao participar de tantos festivais bem sucedidos e testemunhar o esforço de muita gente boa ao redor do país trabalhando para ampliar e expandir os horizontes desse tipo de música. Noto o interesse do público por uma música verdadeiramente sem concessões, honesta e longe dessa pasteurização vigente na “grande mídia” atual.

BS● Palcos pequenos ou festivais?

Continentino - Os dois. Comecei tocando em locais pequenos e hoje em dia já participei de eventos reunindo mais de um milhão de pessoas, como essa recente festa dos 50 anos em Brasília - uma loucura. O mais importante é despertar a emoção das pessoas. Sejam 5, 50 ou 50 mil.

BS● Cite três momentos marcantes de sua carreira.

Continentino - Minha apresentação com o Milton no final do ano passado no Carneggie Hall em NY, templo da música mundial. Tem também o show que promovi num bar da Lagoa Rodrigo de Freitas, no dia 25 de Janeiro de 2007 - aniversário de 80 anos de Tom Jobim. Ao longo de 6 horas (mais de quatro horas de música), toquei 80 composições do Tom, um dos meus favoritos. Contei com o apoio de mais de vinte músicos convidados, gente como Os Cariocas, Nelson Ângelo, Muiza Adnet, Pery Ribeiro, entre tanta gente bacana que veio prestigiar a obra do maestro soberano e me dar essa “moral”. Foi uma noite inesquecível. Outro projeto marcante para mim foi um show no Teatro Municipal de Niterói, onde apresentei ao público da cidade onde moro, algumas das minhas próprias canções. Músicas letradas por parceiros como o próprio Milton, Altay Velloso, Murilo Antunes e Chico Amaral, entre outros. E algumas letrinhas minhas, também. Foi muito gratificante ver cantores do porte de Leny Andrade, Leila Pinheiro, Simone Guimarães e Bebeto Castilho (do genial Tamba Trio) interpretando as minhas músicas.

BS● Quais são os projetos futuros?

Continentino - Gravação de muitos CDs e projetos com minhas composições – que deve estar chegando à casa das quinhentas. Preciso escoar toda essa produção, publicar o meu trabalho. As oficinas práticas para piano e teclado que estou elaborando e pretendo levar para várias escolas de música, universidades. Prosseguir tocando, me apresentando no Brasil e mundo afora. Conhecendo gente nova e levando o meu som para as pessoas que se interessarem conhecer.

BS● Algumas palavras finais.

Continentino - O mundo precisa da música, precisa da arte para evoluir. Artistas talentosos devem estabelecer um pacto com sua própria arte. Expressar a sua essência e evitar as armadilhas fáceis do mercado. Antes de agradar aos outros, temos que estar bem conosco, mesmo que isso signifique renunciar a caminhos aparentemente mais sedutores, comercialmente. Temos que por os pensamentos em ordem. Arte não é publicidade. E pode ser muito mais do que entretenimento. Pode gerar reflexão, provocar sentimentos difusos, emocionar e fazer as pessoas sonharem com um mundo melhor.

Valeu, Continentino!

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