sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Entre nós


Vivemos sempre num constante massacre. Centenas de atrocidades, com vítimas vivas ou não, nos alimentam, nos engasgam ou, para aqueles que não possuem olhos ou nada dentro de seus corpos ou mentes, nos divertem.

O bem e o mal são realmente a mesma força, antípoda, que se anula e se completa? É o que podemos supor com os personagens Dr. Henry Jekyll, e Edward Hyde, a própria descrição do ser humano. Acuado, medroso, feroz, mortal. Quantos são os que assim vivem, que passam por nós a cada dia, durante toda a nossa existência? Espécimes assim só são lembrados quando, por acasos da vida, nos deparamos com algum massacre cometido em lugar qualquer, sem razão qualquer.

Em 1986, na latina Bogotá, Colômbia, em um restaurante italiano, ocorreu um desses massacres: o Massacre de Pozzetto. Campo Elias Delgado, ex combatente no Vietnã, professor de inglês, misantropo, Jekyll&Hyde. Um homem no meio do redemoinho assombroso de personalidade, que lavou de sangue e balas 29 pessoas. Um ser que poderia passar despercebido, como algo banal.

Dezesseis anos depois, em 2002, na mesma Colômbia, o escritor Mario Mendoza lançou Satanás, um livro que fala sobre a diária, profunda e eterna presença do maligno em nossos dias. Mendoza foi amigo de classe de Campo Elias, e foi baseado no massacre que Satanás ganhou forma.

Uma menina possuída, um homem que esfaqueou toda a família, uma jovem estuprada, um padre que fraqueja em sua fé, vidas destruídas. O romance fala de coisas que acontecem todos os dias, exceto, talvez, pela possessão, e que de tanto virarem notícia, acabam se transformando apenas em complemento de um cotidiano esfarelado e nulo de razão.

Não sei até que ponto o mal está infiltrado na sociedade, mas é certo que esta mesma sociedade tem produzido, numa escala frenética, os seus próprios assassinos. Pessoas pacatas, como Hyde, e fatais, como Jekyll. Loucos pregadores, vozes ambulantes, sem corpo ou forma, exterminadores em nome da verdade e da justiça, frustrados ou felizes ao extremo.   

Mendoza é escritor de linguagem limpa, objetiva, extremamente realista. O livro é como um diálogo natural, sem rebusco. Isso faz com que a obra ganhe ainda mais realidade, além daquela que deu origem ao texto. Satanás é apenas um livro, um grande livro, mas é também o nosso dia a dia.  

Entrevista com o autor - portalivros.wordpress.com  

Vídeo sobre o Massacre de Pozzetto. 


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