Vivemos sempre num constante massacre. Centenas de
atrocidades, com vítimas vivas ou não, nos alimentam, nos engasgam ou, para aqueles
que não possuem olhos ou nada dentro de seus corpos ou mentes, nos divertem.
O bem e o mal são realmente a mesma força, antípoda, que se
anula e se completa? É o que podemos supor com os personagens Dr. Henry Jekyll, e Edward
Hyde, a própria descrição do ser humano. Acuado, medroso, feroz, mortal.
Quantos são os que assim vivem, que passam por nós a cada dia, durante toda a
nossa existência? Espécimes assim só são lembrados quando, por acasos da vida,
nos deparamos com algum massacre cometido em lugar qualquer, sem razão
qualquer.
Em
1986, na latina Bogotá, Colômbia, em um restaurante italiano, ocorreu um desses
massacres: o Massacre de Pozzetto. Campo Elias Delgado, ex combatente no Vietnã,
professor de inglês, misantropo, Jekyll&Hyde. Um homem no meio do
redemoinho assombroso de personalidade, que lavou de sangue e balas 29 pessoas.
Um ser que poderia passar despercebido, como algo banal.
Dezesseis
anos depois, em 2002, na mesma Colômbia, o escritor Mario Mendoza lançou Satanás,
um livro que fala sobre a diária, profunda e eterna presença do maligno em
nossos dias. Mendoza foi amigo de classe de Campo Elias, e foi baseado no massacre que Satanás ganhou forma.
Uma
menina possuída, um homem que esfaqueou toda a família, uma jovem estuprada, um
padre que fraqueja em sua fé, vidas destruídas. O romance fala de coisas que
acontecem todos os dias, exceto, talvez, pela possessão, e que de tanto virarem
notícia, acabam se transformando apenas em complemento de um cotidiano
esfarelado e nulo de razão.
Não
sei até que ponto o mal está infiltrado na sociedade, mas é certo que esta mesma
sociedade tem produzido, numa escala frenética, os seus próprios assassinos.
Pessoas pacatas, como Hyde, e fatais, como Jekyll. Loucos pregadores, vozes ambulantes, sem corpo ou forma, exterminadores em nome da verdade e da justiça, frustrados ou felizes ao extremo.
Mendoza é escritor de linguagem limpa, objetiva, extremamente realista. O livro é como um diálogo natural, sem rebusco. Isso faz com que a obra ganhe ainda mais realidade, além daquela que deu origem ao texto. Satanás é apenas um livro, um grande livro, mas é também o nosso dia a dia.
Entrevista com o autor - portalivros.wordpress.com
Vídeo sobre o Massacre de Pozzetto.
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