Parem
tudo, corram para suas casas, se escondam, não deem as caras. O Brasil está
tomado por menores violentos e insanos, seres que não merecem sequer um olhar,
muito menos enviesado. Não passe perto das creches e parquinhos pela cidade,
pode ser fuzilado por uma criança que carrega uma bazuca na fralda, napalm no
copo de leite, sabre na mochilinha.
Sei que
haverá uma voz gritando: mas são apenas crianças!!! Sim, eu responderei. Mas
são mesmo crianças que estão sendo condenadas por um sistema sedento em dar
respostas, e omisso em procurar soluções. Outros dirão que existem crianças
ruins e crianças boas. Que enquanto uma mata, outra é vítima. Uns dirão isso e
aquilo, outros aquilo e isso.
O fim
desse papo todo é que existe uma parcela da sociedade firme num discurso que
diz assim: lugar de gente ruim é na vala, sem direito a nada, nem mesmo ao
pensamento. O incrível é que essa mesma sociedade é corruptora dessa infância. É
a sociedade que propaga a falta de valores, o apego ao supérfluo, o fim das
relações humanas.
Quando alguém
planta uma semente do mal numa criança, torna-se tão vil quanto o delinquente a
quem tanto ele combate.
Quando li
o romance Cidade de Deus, do carioca Paulo Lins, o que me prendeu na trama foi
a humanização dos personagens, principalmente Dadinho e Bene. Embora a violência
não seja algo endêmico, segundo alguns críticos da sociedade na qual vivemos
querem nos provar o contrário, o atordoante cenário de guerra “cinematizado”
pela mídia age como escopo de uma parcela presa aos dogmas da boa família
cristã e brasileira.
A
pergunta que lambe o chão dos bares, bancos e demais estabelecimentos é: como alguém
que mata, rouba e estupra pode ser inocente, pode ser bom? Como alguém tão
violento pode ter direitos, como a uma cela imunda e um colchão aos farrapos? Dessa
forma, é difícil imaginar que alguém em posse de uma arma possa ser uma pessoa
de bom caráter ou índole.
Para responder
a essas perguntas, eu preciso voltar ao trecho sobre Paulo Lins, quando disse
que a humanização dos personagens foi o que de mais marcante eu li na obra do
escritor brasileiro. E vou mais além, lembrando do Corleone de Puzzo, do Rino
Zena de Ammaniti, do Pinkie Brown de Greene ou mesmo do Bathgate de Doctorow,
todos estes personagens, contraventores, sociopatas, bandidos, todos foram
dramaticamente humanizados. Aqui eu abro um parêntese, e pergunto: foram eles
humanizados ou são tão reais porque são humanos? Sim, humanos, errantes, donos
ou vítimas de suas vidas e escolhas.
Não me parece
comum alguém enxergar um ato violento por mais de um ângulo que não seja o da
brutalidade, seguido pela ira e acabando na intolerância. Temos, sim, milhões de
atos sangrentos, burros e impensados, praticados por pessoas das mais variadas
classes e posições sociais. Os ricos, os paupérrimos e os vazios. No entanto,
faz-se necessário uma indagação sobre a violência. Uns a enxergam como ato físico,
outros morais ou psicológicos, nada de novo. Mas é preciso pensar mais
profundamente sobre o ato violento. Quando tiramos o sonho, a vontade, a
dúvida, a autonomia, a infância, a inocência, a coragem ou o medo de alguém e os
estratificamos como simples manobra de criação, também aí somos violentos, tão
brutais quanto aqueles que levantam as armas brancas, as vozes e punhos,
cuspindo suas verdades permanentes e solidas como a perene ignorância.
Sendo
assim, a recente, e crescente, tentativa de diminuição da maioridade penal no
Brasil mostra como uma nação pega tudo aquilo pelo que lutou e coloca num
caldeirão onde tudo se mistura: futebol, política, infância, raça, perseverança,
direita, esquerda, meio, lado, margem. O resultado é uma sopa insossa e
intragável.
A sociedade é quem cria os seus Dadinhos,
Corleones e Bathgates da vida, é a sociedade quem esbofeteia os rostos e cobra uma
postura sobre os hematomas. E aqui coloco a sociedade como um todo, não dividindo-a
em política e povo. Dessa forma, cada um precisa saber a sua real parcela de
culpa na formação deste indivíduo que hoje está sendo tachado pela simples
pecha de DiMenor.
Como
disse Durkheim: “não podemos, nem devemos nos dedicar, todos, ao mesmo gênero
de vida: temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e será
nisso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho que nos incumbe. Nem todos
fomos feitos para refletir; será preciso que haja sempre homens de
sensibilidade e homens de ação.”
Mas uma
coisa se choca contra as palavras do filosofo francês: se é preciso homens de
ação e homens de sensibilidade, infelizmente contamos apenas com a não
sensibilidade e com uma ação desmesuradamente covarde, insensata e pétrea. Pétrea
como a cláusula que a Comissão de Constituição e Justiça que atropelar para
punir o jovem e sua não juventude.
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