domingo, 19 de abril de 2009

Um senhor Talento: Entrevista com Sérgio Ricardo

João Lufti, mais conhecido como Sérgio Ricardo, nasceu na cidade de Marília, interior de São Paulo. Escritor, pintor, cineasta e, acima de tudo, um exímio compositor.
Tornou-se conhecido após Maysa gravar a sua canção, “Bouquet de Izabel”. Entre 57 e 58 lançou seis compactos, e, ainda em 58, grava seu primeiro disco: Dançante n°1.
A sua extensa vida musical inclui a participação no Festival da Bossa Nova, no Carnegie Hall, em 1962; movimento que acabou como dissidente. Em 1967 ficou marcado para sempre pelo incidente do violão quebrado, durante a execução da música “Beto Bom de Bola”, fato muito bem narrado em seu livro de memórias “Quem Quebrou meu Violão”.
Com uma extensa discografia, grande parte fora de catálogo; cerca de 12 produções cinematográficas, entre curtas, longas e documentários e três livros segue sua vida artística, com shows pelo país e projetos diversos.
Por email, Sérgio Ricardo concedeu esta entrevista ao Batida Sonora.
Com a palavra, um senhor talento.


BSA sua musica agrega uma enorme sonoridade, envolvendo ritmos nordestinos, samba e tantos outros espalhados por esse Brasil. Comente um pouco sobre sua formação musical.
Ricardo - Comecei a estudar piano com oito anos de idade, em conservatório. Desde cedo, minhas preferências musicais variavam entre o erudito e o popular . Buscava a beleza das melodias, harmonias e ritmos em qualquer tipo de música. Mais tarde, ao virar cantor e compositor, minhas preferências giravam em torno dos criadores brasileiros. Sou vidrado na nossa musica autêntica, de qualquer região do pais, dada a sua diversidade infinita. Com essa diversidade continuo aprendendo e imitando nas minhas canções. Acho, com exceção do Jazz e de alguns ritmos latino-americanos, tudo dispensável.

BS• Vou citar quatros nomes e gostaria que você fizesse um comentário: Sidney Miller e Glauber Rocha, Geraldo Vandré e Nelson Pereira dos Santos.
Ricardo - Quatro grandes figuras e criadores magníficos. Cada qual com seu instrumento de trabalho, criou sua obra, imprimindo seu caráter, sua visão de mundo, deixando para sempre, sua contribuição cultural e política, sua poética, sua atuação renovadora, na nossa memória.

BSCerta vez você declarou que o seu afastamento da bossa nova foi em virtude de Zelão, que o levou para um lado mais da critica social. O seu trabalho é calcado em canções com esse enfoque. Como você desenvolveu essa visão?
Ricardo - Não precisou de esforço algum. Bastou abrir os olhos para o que estava e continua estando à minha volta, por todo canto do nosso imenso continente. Movido pelo amor ao próximo, e descartando o caminho do sucesso a qualquer custo, indiferente ao prejuízo material que pudesse advir.

BS• Afastado da grande mídia, você passou um bom tempo se apresentado no circuito universitário, que o acompanhou fielmente. Como você analisa a juventude (universitária ou não) atualmente?
Ricardo – A ditadura calou o estudante, alem das outras categorias sociais. A sua atuação política desintegrou-se, como aconteceu com os demais. O pais se desarticulou e todos caímos num fundo de poço, de onde se tenta sair muito vagarosamente. Espera-se que essas crises internacionais, vivendo o engodo do sistema capitalista, acordem não só os brasileiros, como o resto do mundo, para uma tomada de posição contra a descarada roubalheira que ainda vai acabar levando a espécie humana a um fim trágico.

BS• Qual o papel que os maestros Moacir Santos e Radames Gnatalli tiveram na sua formação como musico?
Ricardo - Moacir Santos foi meu professor de contraponto e Radamés Gnatalli meu grande incentivador. Gostava do meu trabalho e me instigava a escrever para orquestra, achando que eu estava pronto para a tarefa.

BS• Sobre a Sombras, como é a sua opinião hoje em termos de direitos autorais. O senhor concorda com o excessivo numero de discos que circulam ilegalmente, vistos que alguns estão fora de catálogo?
Ricardo – A questão do direito autoral é a coisa mais intrincada que se possa imaginar. Está sendo gerida por pessoas que buscam seu lucro no direito do artista. Eles levam a carroça pelo caminho que querem, pois o cabresto está em suas mãos. O artista é a mula que puxa a carroça. Mais nada. Se for boazinha, eles dão mais capim. Se relinchar muito só vai levar chicotadas. O ECAD é do governo, mas o governo não controla. Fecharam o CNDA e virou bagunça. Só intervenção pode resolver. O que circula ilegalmente é uma faca de dois gumes. É bom pro artista porque divulga seu trabalho sem precisar pagar jabá, mas por outro lado o direito autoral desaparece.

BS• Você possui uma vasta obra musical e cinematográfica, infelizmente, na sua maioria, fora de catalogo. Nunca houve uma proposta de relançar esses trabalhos?
Ricardo - Propostas há. Mas aceita-las é que é o x do problema. Mas estamos estudando uma forma.

BS Tem escutado algum artista novo que lhe chamou a atenção?
Ricardo – Vários. A nova geração de músicos brasileiros, hoje beneficiados com cursos muito bem estruturados estão se mostrando mais bem preparados que os de minha geração, que embora tenha produzido grandes gênios, não contava com um numero tão expressivo como os de hoje. Por outro lado, quanto mais avançados no domínio da linguagem brasileira, tanto mais distanciados vão ficando da mídia.

BS• Cite três momentos marcantes de sua carreira.
Ricardo – Sem dúvida, o mais marcante foi o episódio do violão que quebrei no festival da Record. Outro episódio, sem tanta repercussão, mas para mim importante, foi o dia em que conquistamos no Vidigal o interdito proibitório suspendendo a remoção dos favelados para Antares. A primeira vitória do nosso povo contra a ditadura. A custa da união da comunidade e da defesa de Sobral Pinto. Outro momento marcante da minha carreira foi a realização do show comemorativo dos meus cinquenta anos de carreira, no teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a exibição do cordel sinfônico que musiquei para o poema de Drummond de Andrade, executado pela orquestra sinfônica do teatro, com orquestração de Radamés Gnatalli. No palco Chico Buarque, Elba Ramalho, Alceu Valença, Marina Lutfi e Zélia Duncan cantaram o cordel e minhas canções na segunda parte.

BS• Planos para um novo projeto?
Ricardo - Projetos são vários. Exposição de pintura (pronta) a espera de galeria. Um livro de poemas (pronto). Canções inéditas na fila para gravar novo disco. Dois roteiros de filmes a espera de produção. Enquanto se espera esta ou aquela coisa se decidir, vou fazendo shows do meu novo disco que está nas lojas: Ponto de Partida.

BS• Diga algumas palavras finais.
Ricardo - Sou um homem de sorte. Como nunca corri atrás da fortuna, é claro, ela também não correu atrás de mim. Talvez tenha sido melhor assim. Porque vivo ocupado criando isto ou aquilo, pintando o sete, para sobreviver, o que não me predispõe a queixumes de qualquer espécie.
Não me sobra tempo para isto. Por outro lado não tenho do que me arrepender. Durmo muito bem, sem culpas.

Muito obrigado, Sérgio.

3 comentários:

Ricardo Queiroz Pinheiro disse...

muito boa a entrevista, vai fundo Antonius....

Wenilton Luís Daltro disse...

Excelente entrevista, Ton wonder! É ótimo saber que o Sérgio está produzindo como sempre, à todo vapor! Parabéns à ambos!

Ton wonder disse...

Valeu, Apólogo. Muito bom também o seu post sobre ele.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails