sábado, 28 de novembro de 2009

Ritmo nas veias. Entrevista com Airto Moreira

Certamente um dos maiores instrumentistas brasileiros, Airto Moreira já contabiliza mais de 40 anos de carreira, no Brasil e exterior. Acompanhou uma leva inestimável de grandes músicos, como Miles Davis, Chick Corea, Moacir Santos, César Camargo Mariano, Hermeto Pascoal, Oscar Castro Neves e tantos outros.

Nascido em Itaiópolis, Santa Catarina, começou ainda criança no mundo da musica, e nunca mais largou.

Da sua extensa discografia solo destaco os álbuns Natural Felling (1970), Virgil Land (1974), Touching You, Toching Me (1979) e The Other Side of This (1992). Também não há como deixar de citar os essenciais Bitches Brew, de Miles Davis (1968), Sambalanço Trio (1964) e Quarteto Novo (1967).

Seja sozinho ou com sua mulher, a cantora Flora Purim, o baterista e percusionista continua na sua missão de espalhar o ritmo por todos os cantos onde se apresenta.

É com orgulho que o Batida Sonora entrevistou Airto Moreira.

BSVocê iniciou a carreira em 1954, tocando com o Jazz Estrela. Logo depois começou a trabalhar como crooner em casas noturnas de Curitiba. É isso mesmo, como foi?

Moreira - Eu comecei como percussionista profissional com 9 anos de idade com um acordeonista em Ponta Grossa / Paraná. Já era pago para tocar desde então.

BS Em 1962 você passou a tocar com o Sambalanço Trio. Foi o seu primeiro grande trabalho, já que tocaram na inauguração do João Sebastião Bar, templo da bossa em São Paulo e acompanharam o dançarino Lennie Dale?

Moreira - Não me lembro o ano pois faz muito tempo, mas foi por aí. Quanto à música, as pessoas gostavam muito. E eu, o Cesar Camargo Mariano e o Clayber trabalhamos quase dois anos lá até eu viajar para o Rio de Janeiro com Lenny Dale.

BS Foi depois desse período que surgiu o Quarteto Novo? O disco é realmente muito bom, qual foi a razão do grupo ter acabado? Nunca houve uma conversa para uma possível volta, ou um simples show?

Moreira - Foi depois. O grupo acabou porque o Geraldo Vandré foi embora para o exterior e o trabalho ficou muito escasso, então eu viajei também e o grupo acabou. Foi pena, pois até hoje foi o melhor som que eu fiz. Ofertas tiveram várias mas infelizmente não deu para coordenar os interesses e agendas de todos.

BS No fim da década de 60, você se mudou para os Estados Unidos. Além de ir se encontrar com a sua futura esposa, Flora Purim, havia a vontade de alcançar voos mais altos na carreira?

Moreira - Não. Eu fui para trazer a Flora de volta, e aqui estou ate hoje. E ainda bem que o plano falhou pois estamos juntos há 44 anos e continuamos tocando música no mundo inteiro. Isso é como um sonho que continua se tornando realidade.

BS A primeira pessoa com quem você tocou por lá foi Moacir Santos? A cena norte-americana, daquela época, era muito diferente do que aqui no Brasil? Acho que você já deve ter respondido a essa pergunta centenas de vezes. Foi o seu trabalho com Miles, que começou no Bitches Brew, que abriu as portas para a sua carreira?

Moreira - Toquei quase um ano com o Moacir e aprendi bastante. A cena norte-americana naquela época era bem diferente. Para começar todo mundo falava inglês, menos eu, e falando sobre música, era a mesma coisa; nos Eestados Unidos se tocava jazz e música comercial americana, e no Brasil se tocava bossa nova. Quando eu comecei a trabalhar com o Miles foi como se minha vida musical tivesse começado naquele momento e nos dois anos e meio que trabalhei com ele, me senti como se fossem 10 anos de aprendizado.

BS Você sempre se destacou pela sua inusitada “injeção” de ritmos brasileiros nas musicas que toca. Como aconteceu esse contato tão forte com a percussão?

Moreira - Sempre tive um contato forte com a percussão. Quando eu tinha 5 anos de idade eu já tinha inventado 8 instrumentos com coisas que eu achava na rua. Eu não parava um momento de pensar em sons e rítmos, isto é, já era um percussionista.

BS Anos atrás, você se envolveu na carreira acadêmica, dando aulas na UCLA. Conte um pouco sobre isso. Pensa em voltar?

Moreira - Não, aquilo foi um contrato de 3 anos e foi uma experiência apenas. O que eu gosto mesmo é de tocar ao vivo para as pessoas, pois acho isso altamente espiritual e necessário para um músico profissional.

BS Dentre tantos trabalhos que você participou, há algum, ou alguns, que mais lhe agradem?

Moreira - Sambalanço Trio, Quarteto Novo e Miles Davis

BS Os seus discos nunca foram muito fáceis de se encontrar no mercado nacional. Nunca houve um contato para lançá-los por aqui?

Moreira - Parece que não.

BSVocê acompanha a cena da atual musica brasileira¸ tem alguém que você possa destacar?

Moreira - O meu favorito é o Lenine. Além de ser um ótimo instrumentista e arranjador é de um nível intelectual totalmente brasileiro e ao mesmo tempo internacional.

BS Cite três momentos marcantes na sua carreira.

Moreira - Quando ajudei a formar o Weather Report, quando toquei um ano e meio com o Return To Forever, quando toquei com Miles Davis no festival na ilha de Wight, na Inglaterra, que foi um dos maiores festivais do mundo, com mais de 600 mil pessoas. Também, minha participação no Quarteto Novo, que também ajudei a formar; foi uma das melhores experiência musicais que tive.

BS Algumas palavras finais.

Moreira - Se você já é um músico profissional, continue tocando para o resto de sua vida, pois é uma forma importante de comunicação universal. Se você ainda não é um músico profissional, pense bem antes de continuar, pois é um compromisso de vida e não uma carreira.

*Quanto ao show que ele citou, o da Ilha de Wight, abaixo o vídeo da apresentação, uma parte. Na ocasião, além de Miles e Airto, estavam na palco, entre outros, Chick Corea, Keith Jarrett e Jack DeJohnette.

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