Não irei parabenizar as
duas jovens mortas recentemente no Equador. Não darei rosas à presidente de meu
país, massacrada em estado de graça por toda a nossa população masculina, e
mesmo feminina. Não direi parabéns àquelas vítimas diárias do regime islâmico
totalitarista, nem mesmo às meninas que tem as suas genitálias dilaceradas em
procedimentos seculares em países africanos.
Hoje eu não quero
comprar flores, nem perfumes e roupas. Hoje não quero dizer meus parabéns às
meninas usadas como escambo nas estradas tristes e concretas do Brasil, ou
mesmo àquelas pequeninas que servem de boneca sexual para milionários europeus
e asiáticos. Não quero, e nem irei, cumprimentar Malala Yousafzai,
Não importa de onde vem
essa data, se de um incêndio maligno, de comícios e passeatas russas,
americanas, enfim. Não farei discurso, não alardearei sobre as mulheres.
Não pedirei um minuto
de atenção para os homens indianos e seus estupros diários, costumeiros e
lícitos. Não falarei aos cearenses sobre o seu índice maior de feminicídio. Não
lembrarei aos homens de bem sobre a sua sexualização do amamentar. Não discutirei
com as moças, senhoras e idosas sobre a suposta obrigação de amar o filho, amar
o matrimônio, amar a vida de mãe, de esposa.
No decorrer de hoje eu
não irei parabenizar ninguém, não direi nem mesmo obrigado. Não falarei àquelas
mulheres encarceradas socialmente, por terem na sua condição de mãe cometido um
crime inafiançável. Não pedirei aos órgãos religiosos que abdiquem de seus
textos bafientos e eivados de violência à mulher, a violência não física, mas
subserviente, silenciosa e maligna.
Não direi obrigado às
mulheres que acordam cedo e arrumam a casa, fazem o café, arrumam os filhos,
levam-nos à escola, vão para o trabalho, saem e vão estudar, voltam e vão
repetir as mesmas ações da manhã. Fazem a janta, banham os filhos, botam-nos
para dormir e que depois, quando já passou tempo demais, precisam ainda repetir
a mesma cena.
Hoje não desejo
congratular as mulheres e moças e senhoras e idosas por terem nascido com o
falso dom maternal, de gerar vidas, de levar tapas, cantadas, apertões,
beliscadas, socos, pontapés, de receberem lisonjeadas palavras de amor, de
lascívia e sexo explícito. Não farei menção ao (não) direito do aborto, à
obrigação das saias e maquiagens e cabelos sedosos e esmaltes e lingeries
vermelhas, pretas ou lilases.
Não falarei de todas as
lutas por espaço igual, direito igual, sonho igual. Do direito aos decotes e
saias curtas num dia quente, sem que isso seja um convite ao sexo; do direito
de não cruzar as pernas, sem que isso seja um convite ao sexo; do direito de
andar sem sutiã, sem que isso seja um convite ao sexo; do direito ao próprio
sexo, sem que isso seja um convite ao estupro.
Não direi obrigado às
menininhas, aquelas que querem um boneco, uma nave, usar cabelo curto; não querem
se vestir de princesa, e não querem sonhar com um castelo e um príncipe galante
e fabricado.
Não lembrarei das
famosas frases sobre o lugar da mulher, o dever da mulher, o direito da mulher,
o espaço da mulher, a vontade da mulher. Não pedirei desculpas à vocês por terem
feito (no másculo teatro da vida), por todos esses anos, o papel de sexo
frágil, assustada, dependente, carente, traidora, passiva, infiel, subalterna.
Não, não, não.
Não há desculpas nem
celebração que cure o mal causado pelo homem, macho, viril e irracional às
mulheres. Não há data nem apagador que oblitere todos esses séculos de
perseguição, assassinato e depressão presenteados às mulheres.
Não, não, não.
Hoje não tem parabéns,
hoje não tem flores nem vestidos, não tem sapatos, bolsas, maquiagens, nada.
Hoje é mais um dia para celebrar a vergonha, o nojo, o asco muscular que cobre
nossos ossos culpados. É mais um dia para nos despirmos dessa casaca dura,
misógina e pétrea chamada machismo, é mais um dia para nos ajoelharmos e
recebermos séculos de chibatas e açoites pelo mau domínio do poder a nós
delegado pela força, não merecimento, não dádiva.
Hoje é mais um dia, não
apenas o dia, de dizer lute, seja, faça, relute, queira, ame, transe, pense,
repense, reclame, refaça, duvide. Não há verbos feitos somente às mulheres, mas
verbos. Conjugá-los vai além de um gênero. Não sei quantas mulheres padeceram
enquanto escrevi isto, mas sei que morri, e morro, a cada uma dessas perdas
humanas. Pois é isso o que somos, humanos.
Boa Batidas, ao som de Elza Soares
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